João Bobo Teimoso

Quando criança, tive um boneco chamado João Bobo Teimoso que eu adorava. Tratava-se de um boneco inflado com ar comprimido e a sua base composta por um tipo de areia. O princípio é bastante parecido com o de uma peteca. É o princípio da física lúdica, que nesses brinquedos é a procura do equilíbrio. A brincadeira para uma criança consiste na busca pelo aprimoramento da coordenação motora, no ponto inicial do movimento. No caso da peteca, por exemplo, as penas, que são leves, estão na parte superior. Já o material mais pesado está na parte debaixo, na sua base. Isso obriga que o brinquedo se mantenha no eixo de equilíbrio. No boneco, a força exercida determina que ele retorne sempre à posição vertical de início. Nosso brinquedo lúdico — o João Bobo Teimoso —, portanto, nunca cai, mesmo que seja chutado, escorraçado, empurrado ou virado de cabeça para baixo. Ele estará sempre lá — na posição inicial —, altivo e em pé.

Sempre me achei um cara bastante intuitivo. Geralmente, acerto nas conclusões que faço pela observação. Já nascemos com alguma informação intrínseca e a maior parte do aprendizado se dá ao longo da vida. Alguns têm os sentidos mais aguçados, seja pelo toque, pela visão, pela capacidade de percepção. É assim que usamos os nossos sentidos: uns estão lá, determinados por instinto, e outros apuramos com o tempo. Quanto mais tempo de vida, então, melhores sensitivos seremos.

Levo as pessoas muito a sério e sou, antes de tudo, muito honesto comigo mesmo. Aprendi com o tempo, mas antes, porém, não era. Trata-se de um amadurecimento natural, que aperfeiçoamos com o passar dos anos, com as experiências vividas, nos ajustando de um jeito ou de outro, aqui e ali. Outro dia li algo sobre o porquê das pequenas mentiras e concluí que é muito mais difícil para quem mente. O sujeito terá que se lembrar da mentira para sempre, para não se enrolar. O título do texto era o seguinte: não minta para não ter que lembrar.

Entre as coisas que logo precisamos aprender nessa vida, além de se defender, é a lida com as pessoas essencialmente diferentes de nós. No entanto, embora o aprendizado seja doloroso, é profundamente enriquecedor. Só entendemos o outro, quando o conhecemos de verdade, livres do nosso juízo de valores e preconceitos. Acertos são sempre bem-vindos, mas o erro é também uma excelente escola de aprendizado.

Hoje concluo que, por mais cosmopolita que a cidade do Rio de Janeiro seja, a maioria dos meus amigos é carioca e malandro, adjetivação que — no melhor sentido da palavra — significa um ser esperto, bastante vivo e astuto. E, também, sem generalizar, um pouco presunçoso. Noutro sentido, porém, pouco admirável, aponta para os sujeitos que abusam da confiança alheia, que não trabalham e vivem de expedientes, sendo preguiçosos e competitivos e, muitas vezes, mentirosos. A ideia do “malandro carioca”, da mitificação do jeito malandro de ser, contudo, tornou-se patrimônio cultural intangível.

Assim como São Paulo e New York, outros exemplos de cidades bastante cosmopolitas, o Rio é, enfim, o destino preferido da mistura de vários povos, da miscigenação das raças e de seus moradores; dos viajantes, do estrangeiro, identificados por suas diversas tribos, etnias e comunidades. Tem o francês, o alemão, o português, o americano; tem o baiano, tem muito mineiro, dada a proximidade; tem o paulista, embora a rivalidade; tem muito nordestino e também os sujeitos migrados do sul do país.

Das peculiaridades do carioca, destaco respeitosamente a malandragem por excelência e natureza, de sujeitos que curtem a prosa acompanhada de chope na beira da praia e do samba. Eles adoram os dias de sol quente e odeiam os dias nublados, fazendo o caos da cidade nos dias de chuva. E estampam na pele o dourado das fanfarras de um final de semana, do futebol na praia, do vôlei da areia, das caminhadas no calçadão, revelando, porém, um péssimo hábito, uma queixa constante especialmente ligada aos mais jovens, como a Flor, sobre uma máxima que afirma que o carioca sugere um segundo encontro, sem lhe dar o número do telefone.

Outro dia, ouvi algo interessante que afirmava a seguinte diferença entre o paulista e o carioca: enquanto o paulista o convida para entrar, o carioca, por sua vez, o convida para sair. Em São Paulo os sujeitos, assim como os gatos, são da casa. Os paulistas recebem os amigos para um café, acomodando-os no aconchego de seus sofás. Já no Rio de Janeiro, o sujeito é dono da rua, da praia e do calçadão. Aqui, lhe convidam para um chope gelado na praia ou no boteco da esquina, casualmente.

Levei algum tempo para conhecer a cidade e seus moradores; para entender suas complexidades e idiossincrasias; para entender a peculiaridade dos sujeitos e assim me ajustar aos padrões e estilos diferentes dos meus, de um cara tímido que migrou de uma cidade pequenina e pacata, tipicamente bucólica e rural, debandando para um centro urbano e cosmopolita, levando muitas rasteiras.  Foi preciso, sobretudo, a mudança de conceitos, de valores individuais e coletivos e também de paradigmas. Contudo, preservei as raízes e os costumes de uma infância feliz, mantendo a identidade e algumas ideias muitas vezes ingênuas e infantis. Foram muitos acertos e, todas as vezes que caí, agi exatamente como o boneco João Bobo Teimoso, mantendo o corpo ereto na vertical e a mente alinhada com aquilo que julgava correto e honesto, com a cabeça nas nuvens e os dois pés fincados no chão.

Comentários (3)

  1. Ah, esses cariocas.. vamos sair, vou te ligar, vamos nos ver, vamos isso, vamos aquilo. Tantos gerúndios que às vezes cansa. Eu já nem chamo mais, porque sinceramente, acho um costume meio feio ficar nessa simpatia forçada. Mas devo admitir que, como bom carioca, às vezes acabo caíndo na armadilha… é sem querer, juro! Mas acontece. Avise-me se um dia fizer o mesmo com você, afinal, estou tentando melhorar! rsrsrs. Abraço!

  2. Aiaiai… cariocas são bacanas né… e eu sou uma com muito orgulho… amo praia, amo Sol (você bem sabe disso né?), amo verão, amo sair para encontrar meus amigos… mas amo também ficar em casa… acho que sou um pouco de tudo, porque se me chamar pra ficar em casa, vendo um bom filme ou jogando um bom papo fora… ah eu irei com certeza! E se vier acompanhado de um chima… bah, vou na hora. Acho mesmo que estou virando meio “cariucha”… até porque eu amo a minha cidade, mas simpatizo demais com o Sul!!! Bem capaz… guri!!! Beijos.

  3. Muito bom!!! Mas só não te chamo pra minha casa porque ainda não moro só! Assim que estiver morando só, te chamo na primeira semana! rs. Acho que seria meio-termo nesse ponto… às vezes chamaria amigos pra me visitarem em casa e ficaríamos todos lá o tempo todo! Às vezes nós ficaríamos um pouco e depois iríamos pra outro lugar, ver gente diferente… ver a rua! rs… é… sou bem boemio mesmo! hehehe afinal… minha cidade é maravilhosa! Sou apaixonado por ela e tenho q vê-la constantemente! É um relacionamento muito intenso e estável! 😉 Bjao.

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