Outro dia, recebi a ilustre visita de papai vindo do Sul que, por já conhecer os pontos mais importantes e turísticos da cidade, pediu apenas um passeio de carro, mais especialmente para atravessar a ponte Rio-Niterói. Desta forma, viria as belezas da região como um simples passageiro, cujo desejo e olhar fora rapidamente contemplado com a exuberância das montanhas verdejantes e das pequenas ilhas que contrastavam com o mar atlântico de águas em tons de verde e azul celeste. Antes de acessarmos a orla, porém, trafegamos pela Avenida das Américas, uma via dentro do perímetro urbano, com nada menos que doze pistas, sendo seis centrais, para o alto fluxo de carros, e mais três perimetrais, de cada lado, que dão acesso aos mais luxuosos condomínios residenciais. São mais de vinte quilômetros de rodovias que ligam a Zona Sul à Zona Oeste. Dizem que o projeto do urbanista Lúcio Costa fora inspirado nos bairros da costa leste americana, mais precisamente dos estados da Flórida, o que, de fato, é mostrado pela arquitetura dos prédios que se notam à volta. Uma pequena réplica da estátua da Liberdade, de gosto deveras equivocado e duvidoso, posicionada logo à frente de um famoso shopping Center, também anuncia a referência norte-americana.
— Filho, imagino que o céu seja mais ou menos parecido com este condomínio — disse papai, apontando para um complexo de dezesseis prédios de vinte e três andares de um condomínio residencial, na cor branca, tão logo iniciamos a nossa pequena viagem.
Achei muito interessante a observação de papai. Cada um tem uma visão muito particular e peculiar do que seja o céu para si. De fato, aqueles prédios, com tons claros e predominantemente brancos, em meio a uma reserva ecológica, voltados para a Lagoa de Marapendi e do Parque Chico Mendes, e para a imensidão do Oceano Atlântico, são lindos. Como morador da região das Vargens, já chegou aos meus ouvidos, porém, que lá, apesar de ser um bom lugar para viver, é uma verdadeira desordem. É incrível a capacidade do ser humano em se organizar socialmente, para viver com maior comodidade, de forma coletiva, mas, ao mesmo tempo, se desorganizar.
Questionei papai sobre o que ele esperava encontrar no outro lado da vida e ouvi o seguinte:
— Acredito que lá encontraremos um lugar de descanso, um pouco parecido com um colégio interno ou um hospital, um lugar de pausa e reflexão. Imagino também que depois desse período, aconteça o nosso retorno para esse ou para outro mundo e assim sucessivamente, até o desenvolvimento completo de nossas almas.
Aquilo me fez lembrar dos condomínios luxuosos que visitei ao longo da vida, localizados aqui nesta cidade, ou mesmo na costa leste do estado norte-americano, sem me aventurar na ideia do que seria o luxo dos palácios da Europa ou do Oriente Médio. Nunca os conheci pessoalmente, apesar de imaginar que quem vive num lugar daqueles, experimente um pedacinho do céu ainda aqui, nesse planeta. Não sei se por merecimento, por destino ou por acaso. Algo eles devem ter feito de muito importante em alguma existência para viverem como rainhas ou reis, deduzo ingenuamente.
Às vezes, diante da realidade e da crueldade humana, chego até a duvidar da existência de Deus, cuja compreensão mitológica da cristandade comparou a criação do homem à sua imagem e semelhança, e nos fez acreditar que Ele é o único caminho para a redenção; que nos enviou seu filho Jesus para através do exemplo nos salvar. Se é Deus a paz e o amor infinito, onipresente em todas as coisas, então, onde Ele está diante da barbárie, da guerra, do terrorismo, do extermínio, da catástrofe, da fome, da tristeza, do ódio e do mal? Por que Deus nos criou tão intolerantes, tão cheios de inveja e desejos furtivos? Por quê? Reflexões humanas consolam, apenas, e confortam à luz da crença e da fé. Talvez, o que nos falte é o Amor.
Lembro-me que quando criança, era assombrado pela ideia de que a nossa moradia pudesse ser invadida por malfeitores e bandidos. De certa forma, ela era desprotegida, isolada da vizinhança e, já naquela época, propagava-se a cultura da insegurança e do medo. Diabos para uma criança. Toda noite, ao deitar, eu fazia uma oração com muito fervor, pedindo que Deus protegesse a minha casa, aos meus irmãos e aos meus pais. A minha fé de criança, entretanto, imaginava quatro anjos com grandes asas, um em cada canto da casa, como guardiões da nossa moradia e das nossas vidas. Com a boa-venturança daquela inocência eu realmente os via lá.
Papai já partiu e hoje imagino que ele viva num lugar tranquilo, de trabalho e aprendizado, algo parecido com um colégio interno ou um hospital de paredes na cor clara, na cor branca, e que ele é muito feliz. Cada vez que trafego pela movimentada Avenida das Américas, lembro-me com carinho de papai e do dia do nosso passeio. Nunca recebi nenhuma notícia do além-mundo, mas quero acreditar que ele exista em outra dimensão, em algum mundo paralelo, e que esteja feliz. O condomínio da Barra da Tijuca continua lá, imponente e pintado de branco.
Nesses últimos dias, mesmo distraído, a memória insiste em trazer à tona a memória de meu pai. Lembranças boas que o coração jamais esquece e que a gratidão enobrece. Almas boas sempre se reconhecem. Bem logo, se a vida assim permitir, quero lhe dar um novo abraço e lhe agradecer o carinho, mais uma vez.
Bom, eu concordo plenamente com a sua forma de enxergar o céu, mas ainda não tinha parado na lógica do meu céu… vou tentar pensar. Você como sempre me surpreende com seus textos e com seus comments… parabéns por você ser quem você é!!! Foi bom demais ter te conhecido… você merece o melhor céu que existir!!!
Rapaz…
Penso que o céu, ou paraíso, é um lugar de delícias onde os anjos e homens vivem em harmonia e sem a presença do mal. Nossa alma foi criada para o céu, mas as nossas escolhas e atitudes determinam para onde realmente vamos. Será que para o ceu ? Você com sua inteligência, com o seu carisma e ainda com o seu coração bom, com certeza merece um um bom lugar.
Que belo texto. Adoro debater o que você coloca neste. É uma visão sábia no meu ponto de vista. Mas confesso que tenho medo de pensar no Céu que merecemos, é algo individual. Será que estamos fazendo tudo correto para merecer um Céu? Já que em vida não merecemos um Barra Bali? Questionamentos!